Creluz

20190705

A noite em que a solidariedade juntou rivais para combater o frio




Se a noite promete ser uma das mais frias do ano, a solidariedade tratou de deixar a situação um pouco menos drástica em Porto Alegre. Desde as 18h de sexta-feira (5), uma hora e meia antes do previsto, o Gigantinho abriu os portões para receber pessoas em situação de rua. O termômetro marcava 9°C, mas a sensação na rua era bem mais baixa, o que fez com que os organizadores antecipassem o ingresso.

Logo na entrada, voluntários faziam o cadastramento de todos. Os pertences eram etiquetados e guardados para serem retirados somente na manhã seguinte. Os que aceitavam, recebiam vacina contra a gripe. Até as 20h, 180 pessoas já haviam ingressado no ginásio.

Os necessitados puderam dispor de colchões (colocados lado a lado no meio da quadra), cobertores e roupas quentes — doadas aos montes desde quinta-feira (4) — para encarar a madrugada debaixo do teto do ginásio de esportes do Inter. Pães com mortadela e margarina e com chimia foram distribuídos antes da janta, marcada para as 21h30min — quando foi servido um sopão, com legumes, verduras e galinha, acompanhado de pão e suco. Na manhã de sábado (6), um café da manhã será oferecido por volta de 8h, horário em que o local precisa ser desocupado.

Enquanto aguardavam o jantar, os abrigados conversavam entre si e com os voluntários sobre como seria a noite.

— Isso hoje aqui é muito bom. Quando a gente fica na rua, podem passar os boyzinhos e tacar fogo na gente — dizia Sandro, 46 anos, que vive há 21 nas ruas.

A estrutura foi montada para 300 pessoas, mas pela grande quantidade de colchões e cobertores doados poderá receber mais, se necessário. O limite estabelecido para entrada dos moradores em situação de rua é 21h30min. Segundo a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), enquanto tiver lugar, ninguém será barrado.

A iniciativa de abrigar pessoas no Gigantinho, uma parceria do Inter com a prefeitura de Porto Alegre, foi inspirada no exemplo do River Plate, da Argentina. Na quarta-feira (3), o clube argentino abriu as portas do Estádio Monumental de Nuñes para ajudar desabrigados em uma noite gelada de Buenos Aires.

O exemplo também foi seguido pelo Sport Club São Paulo, que colocou a estrutura do Aldo Dapuzzo, em Rio Grande, à disposição para receber moradores de rua durante a madrugada desta sexta-feira para sábado.

Em março de 2018, no inverno europeu, o Sunderland fez algo semelhante na Inglaterra. O clube reservou uma sala aquecida no Estádio da Luz para receber desabrigados e os animais de estimação que eventualmente estivessem acompanhando essas pessoas. À época, nevava por lá.

Sem rivalidade
Por aqui, se a casa é do Inter, o Grêmio mostrou que não há espaço para rivalidade quando o assunto é ajudar quem precisa. Com alimentos e cerca de 600 cobertores, gremistas chegaram ao Beira-Rio em dois ônibus para fazer a entrega das doações na tarde desta sexta. Foram recebidos com aplausos e abraços pelos colorados. Depois, posaram para fotos.

— Isso mostra para a sociedade que Grêmio e Inter são solidários a todas as ações. Hoje, o Inter está abrindo a casa, e o Grêmio, contribuindo. Vamos fazer a cidade um pouquinho mais quente para as pessoas que mais precisam — disse o gremista Rodrigo Kandrik, que também é diretor de Esportes, Recreação e Lazer da prefeitura, em entrevista à Rádio Gaúcha.

— Essas pessoas (moradores de rua) também são torcedores da Dupla Gre-Nal. É um ato espetacular — completou José Segala, dirigente da Camisa 12, torcida organizada do Inter.

Nesta sexta, contudo, o que menos importavam eram as cores clubísticas. Voluntários de diversas entidades públicas e privadas estavam mobilizados para que tudo desse certo no Gigantinho. A estimativa dos organizadores era servir 300 porções de sopa, mas, no começo da noite, o cozinheiro Júlio Ritta, idealizador da associação comunitária social Cozinheiros do Bem, disse que havia condições de atender 600 pessoas com a refeição, reforçada de pão e suco. Pela manhã, será oferecido café com leite, pão e frios aos desabrigados, que poderão levar os cobertores na saída — os colchões vão para a Defesa Civil.

Atendimento médico
As filas no entorno do Gigantinho começaram por volta das 15h. Eram moradores de rua que haviam passado por outras instituições e acabaram sabendo da movimentação para os lados da Avenida Padre Cacique. Resolveram conferir.

— Lá no Tesourinha eles comentaram. Almocei e vim direto para cá — disse Paulo Ricardo da Silva, 53 anos, um dos primeiros a chegar.

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre aproveitou a ação e disponibilizou uma unidade móvel. Médicos psiquiatras, psicólogos e enfermeiros foram destacados para atender a população. Também foram aplicadas doses da vacina contra a gripe, e testes rápidos de HIV, Sífilis, Hepatites, Tuberculose.

A presidente da Fasc, Vera Ponzio, comemora a união de esforços para atender aos mais necessitados. Lembra que muitos começarão a ser acompanhados a partir de agora.

— Resultantes desta ação, tem um processo de acompanhamento que poderá ser estabelecido. Algumas dessas pessoas estão vindo pela primeira vez. Então, na sequência, vamos continuar fazendo o acompanhamento dessas pessoas — adianta.

Quem flagrar pessoas em situação de rua pode acionar a Central de Abordagem Social do município pelos telefones (51) 3289-4994 (das 8h30min às 21h) ou (51) 3346-3238 (após as 21h). Segundo a prefeitura, além das mais de 300 vagas que foram disponibilizadas no Gigantinho na ação desta sexta, existem hoje outras 415 vagas nos albergues da cidade.

Alguns números da noite
Expectativa de atender 300 pessoas
50 mil peças de roupas
7 toneladas de alimentos
2 mil cobertores
Cerca de 3 mil litros de água

(Fonte: ZH)

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