Creluz

20181128

Estudo aponta ligação potencial entre o vírus Zika e diversas doenças neurológicas

Já se sabe que a infecção pelo vírus Zika está relacionada a uma série de complicações neurológicas, como a microcefalia e a síndrome de Guillain-Barré. Um estudo publicado no fim de outubro na revista científica Molecular Neurobiology, contudo, descreve uma potencial ligação entre a infecção por Zika e diversas outras doenças cerebrais, como Alzheimer, autismo, esclerose lateral amiotrófica, esquizofrenia e Parkinson. Iniciada em 2017, a pesquisa foi realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e contou com a colaboração do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul e dos institutos de pesquisa americanos Sanford Burhan Prebys Medical Discovery Institute e Scripps Research.
Para o estudo, os cientistas infectaram experimentalmente células-tronco humanas com o vírus Zika e avaliaram a expressão gênica diferencial resultante dessa infecção. A expressão gênica se refere ao processo pelo qual a informação codificada por um determinado gene é decodificada em um produto gênico funcional, como proteínas ou RNA. No caso desse trabalho, os pesquisadores identificaram e quantificaram as proteínas expressas pelas células infectadas e as compararam com as de um conjunto de células não infectadas. “Com a quantificação das proteínas, pode-se determinar quais genes são mais ou menos expressos devido a infecção de Zika. Avaliando esse proteoma (conjunto de proteínas) diferencial conseguimos, através de análises adicionais por diferentes ferramentas de bioinformática, identificar processos moleculares e rotas metabólicas que estavam sendo alteradas pela infecção nesse modelo celular”, comenta o professor da Faculdade de Farmácia da UFRGS Walter O. Beys da Silva, um dos autores do estudo.
Percebeu-se, então, que a infecção do vírus em células-tronco humanas resulta em uma drástica alteração na expressão das proteínas desse tipo celular. Todas as proteínas identificadas nesse processo foram comparadas com as informações de um banco de dados específico de patologias humanas, visando verificar quais delas também são encontradas em outras doenças neurológicas. Os cientistas procuraram por correlações com 30 distúrbios diferentes, tendo identificado 74 proteínas implicadas em 16 neuropatologias (das quais, seis já eram associadas à infecção por Zika, como a microcefalia e a epilepsia). O maior número de proteínas atribuídas a patologias já associadas a esse vírus foi encontrado na microcefalia, com 13 proteínas em comum. Já entre as enfermidades não previamente relacionadas àquela infecção, então a esclerose lateral amiotrófica, com 23 proteínas, seguida pela esquizofrenia (14), pela doença de Alzheimer (7) e pelo Parkinson (7).
gráfico com o número de proteínas relacionadas à infecção por Zika e a diversas doenças neurológicas
Número de proteínas relacionadas à infecção por Zika e a diversas doenças neurológicas
A grande novidade, conforme ressalta Silva, foi encontrar a possível associação entre o vírus e outras doenças neurológicas de grande impacto clínico, como Alzheimer, autismo, esclerose lateral amiotrófica, esquizofrenia e Parkinson. “O Zika já foi relacionado com epilepsia, esclerose múltipla, Guillain-Barré e outras condições, mas, dessas citadas, é a primeira evidência. Como são doenças que ocorrem mais tardiamente no desenvolvimento, é importante para, por exemplo, contribuir com um rastreio clínico preventivo e estudos mais aprofundados para ver se estes desfechos podem de fato ocorrer associados à infecção por Zika”, explica o professor.
Apesar de preliminares, os resultados apontam novos alvos de estudo para essa infecção, podendo colaborar para a prevenção e o diagnóstico dessas condições neurológicas e para o tratamento de indivíduos que tenham sido infectados com o Zika. “Além disso, esse link molecular pode embasar um rastreamento clínico preventivo dos indivíduos infectados, não só crianças, mas também adultos. Muitas pessoas, principalmente crianças nascidas a partir de 2015 e que foram infectadas por Zika durante a gestação, estão atualmente sob acompanhamento médico para avaliação da extensão, ao longo do desenvolvimento, dos danos neurológicos ainda desconhecidos”, esclarece Silva.

Sobre o vírus Zika
A recente epidemia do vírus Zika ocorrida no Brasil foi primeiramente associada com o surto de microcefalia em recém-nascidos, em 2015, principalmente na região Nordeste. Posteriormente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou estado de emergência global com a constatação da rápida disseminação desse vírus e o relato crescente de problemas neurológicos congênitos em diversos países ao redor do mundo. Com a intensificação dos estudos, outras complicações neurológicas, como a síndrome de Guillain-Barré e a epilepsia, foram associadas como consequência da infecção desse vírus, transmitido principalmente pela picada do mosquito Aedes aegypti.

Grupo de pesquisa
O grupo de pesquisa responsável pelo estudo é coordenado pelo professor do Departamento de Bioquímica da UFRGS Diogo Souza e atua em diferentes frentes para melhorar o entendimento sobre o Zika e suas consequências. O trabalho é fruto de um projeto de pesquisa com financiamento do Ministério da Saúde, da Capes e do CNPq que almeja caracterizar a infecção por Zika de forma multidisciplinar e translacional. “Temos envolvidos grupos de pesquisa do HCPA, departamentos de microbiologia, genética, bioquímica, Faculdade de Farmácia, Instituto de Cardiologia do RS e outras instituições nacionais e estrangeiras. Aspectos relacionados à prevenção, à epidemiologia, à patogênese, à neuroquímica e ao impacto molecular, entre outros, estão sendo estudados. Especificamente sobre os resultados encontrados no trabalho publicado, estamos avaliando outros modelos experimentais e aprofundando a relação encontrada com essas doenças”, afirma Silva.

Artigo científico

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